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A Belle Époque AMAZONENSE

 

BELLE ÉPOQUE NO AMAZONAS


CARTAZ DA BELLE ÉPOQUE AMAZONENSE
Anúncio do Bazar Amazonense- Reproduzido de Edinea M.Dias, A ilusão do Fausto- Manaus(1890-1920)

Convencionou-se chamar de Belle Époque o período compreendido entre as últimas décadas do século XIX e a década inicial do século XX. De acordo com a geógrafa Ana Maria Daou, foi o período que coroou os ideais de liberalismo que marcou todo o século XIX. Tais idéias eram baseadas na crença na prosperidade, no progresso material e na possibilidade de que todos os "males sociais" pudessem ser equacionados tecnicamente.

" Este período foi marcado por uma efervescência intelectual e cultural e uma busca acelerada da chamada modernidade, refletindo-se em todos os setores da atividade humana. Tal movimento irradia-se a partir da França, refletindo-se em quase todos os países do Ocidente. A obsessão pelo novo, pelo moderno, pelo belo é a marca predominante desta época. Muitos inventos que marcaram a vida do homem surgiram neste período: o cinema, o rádio , o avião, o automóvel, a luz elétrica, o telefone são exemplos"  ( DIAS,2002.In: SANTOS e SAMPAIO,p.33).

 

Daí a Belle Époque, ser a expressão de euforia e triunfo da sociedade burguesa: na medida em que, se notabelizam as conquistas materiais e tecnológica; que se ampliavam as redes de comercialização; e que era incorporada à dinâmica da economia internacional vasta áreas do globo antes isoladas.

Na amazônia, a Belle époque coincidiu com o chamado "ciclo da borracha", o qual proporcionou as eleites paraenses e amazonenses à aproximação e o contato sistemático com o fluxo da economia internacional, desse modo puderam ter acesso, como consumidores, ao conforto material e aos aspectos culturais, característicos dos grandes centros, como Paris , Londres e Lisboa.

Manaus Capital da Borracha 


"Manaus havia mudado completamente. Um morador da cidade do ano de 1970 teria dificuldades em reconhecê-la, na primeira década do século vinte" ( E. Bradford Burns, 1966).

A cidade de Manaus no período colonial ao redor da Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro, localizada acercade 18km do "encontro das águas", subindo o rio negro. Quando ainda era uma simples povoação foi denominada popularmente de Lugar da Barra, devido ao fato de estar situada perto da barra do rio Negro, isto é, perto da foz desse rio. Foi sede da Capitania do Rio Negro nos períodos de 1791 a 1798, e de 1808 a 1823.

No perído Imperial, o lugar da Barra continuou como sede da comarca do Rio Negro ( Antiga Capitania do Rio Negro). Por força do Código do Processo Criminal, de 1832, no ano seguindo foi elevada à categoria de Vila com a denominação de Manaus, sede da Comarca do Alto Amazonas ( antiga Comarca do Rio Negro).

Em 1848, a Assembléia Provincial Paraense, através da Lei N. 145 de 24 de outubro desse ano, elevou Manaus à categoria de Cidade com a denominação de Nossa senhora da Conceição da Barra do Rio Negro. 

Com a elevação do Alto Amazonas à categoria de Província, a Barra do Rio Negro ( Manaus, a partir de 1856) tornou-se definitivamente capital da mais nova unidade política e administrativa do Brasil. Com o advento da República, capital do Estado do Amazonas. 


De " Tapera de Manaus " a "Paris dos Trópicos"


Por volta de meados do Século XIX, Manaus ( na época Barra do Rio Negro), foi considerada pelo naturalista inglês. Alfred Russel Wallace, com sendo a "comunidade civilizada que tem os costumes mais decadentes possíveis". Os mais civilizados moradores dedicavam-se ao comércio, e como diversão, ainda que de forma moderada, a bebedeira e ao jogo. " A maior parte deles jamais abriu um livro e desconhece todo e qualquer tipo de ocupação intelectual". 

Em 1847, Paul Marcoy observou Manaus assim : situa-se a Leste da Fortaleza, " ela está construída numa superfície tão irregular que chega a ter morrinhos mais altos que os telhados das casas, o que seria pitoresco se não fosse absurdo".  


belle epoque amazonense
“RUÍNAS DA FORTALEZA DA BARRA DO RIO NEGRO”. IN “VOYAGE A TRAVERS L’AMERIQUE DU SUD”. M. PAUL MARCOY, 1840-1860

Outro estrangeiro, de passagem por Manaus, em fins década de 1860, a descreveu como uma insignificante vila com poucos habitantes. Ruas sem pavimentação, pessimamente alinhadas, casas baixas, cabanas da mais primitiva construção, sem qualquer noção arquitetônica, e numerosas vendas portuguesas. Não dando a menor impressão de conjunto. 

Em pouco tempo, porém, de acordo com E.Bradford Burns. A febre da economia da borracha a transformou em uma cidade populosa, moderna e cosmopolitana. Vejamos, por exemplo, alguns registros da historiografia regional acerca dessas transformações de natureza material e cultural: 

" O arruador, precursor dos urbanistas, encarregado de marcar os limites dos bairros e alinhamento das casas, passa a desempenhar um papel ainda que tímido neste período, conforme mostra com muita propriedade Mário Ypiranga /./ Algumas ruas novas e um pouco mais cumpridas começaram a surgir em direção ao norte e, apesar da ausência de luz pública, a iluminação particular `a base de manteiga de tartaruga se faz presente em algumas residências. As paneiras das janelas começam lentamente a ser substituídas por grades. Mas, até quase o final do século, a cidade continua com o título de "Tapera de Manaus", que só mudaria para "Paris dos Trópicos" com o governador Eduardo Ribeiro que a partir de 1892, tem um papel importante na transformação da cidade, elaborando um plano para coordenar o seu crescimento e iniciando a sua execução" ( FREIRE, in: Amazônia em Cadernos.N.os 2/3, 1993-4,p.172)


Segunda Barbara Weinsteins, em fins da década de 1890, Manaus possuía um dos primeiros sistemas de bondes movidos à eletricidade da América Latina. Tinha gás e água encanada, iluminação pública elétrica , e um excelente porto artificial. Manaus tinha também seu famoso Teatro Amazonas, de dois milhões de dólares, construídos quase que exclusivamente com material importados. 

Situada numa área em que, conforme Weisntein, a maioria dos europeus e muitos brasileiros consideravam imprópria para a vida humana, Manaus tinha de tornar-se um centro urbano "civilizado", que oferecesse todas as comodidades da vida moderna aos seus habitantes de classe média e alta, ou continuar para sempre numa posição secundária em relação à capital paraense. Esse processo remonta os fins da década de 1870, quando " a elite amazonense iniciou sua luta para tirar Manaus da sombra de Belém".

A cidade de Manaus, segundo a historiadora Edinea Mascarenhas Dias, sofreu a partir de 1890 seu primeiro grande surto de urbanização, isso graças aos investimentos propiciados pela acumulação de capital, via economia agrária extrativista-exportadora, especialmente a economia da borracha. 

Os aumentos sucessivos das exportações  e os elevados preços dos produtos exportados, principalmente a goma elástica, propiciaram ao Estado uma grande receita, contribuindo com isso para uma grande euforia por parte dos administradores estaduais, que consideravam as condições financeiras do Estado como as mais promissoras. 

Essa promissão ditou a ordem do dia aos governantes amazonenses: viver a modernidade. Modernizar, embelezar e adaptar Manaus às exigências econômicas e sociais da época da borracha, passou a ser objetivo maior dos administradores locais. Era necessário que a cidade se apresentasse moderna, limpa e atraente, para aqueles que a visitavam a negócios ou que pretendessem estabelecer-se definitivamente. 

Para a historiadora Francisca Deus Sena da Costa, durante esse processo de transformação suas pontes de madeira transformaram-se em aterros , e outras foram sendo construídas em ferro e alvenaria; o calçamento das ruas centrais com paralelepípedos de granito, pedras tosca e madeira; a iluminação pública mudou de querosene ou óleo de tartaruga para gás ou energia elétrica; prédios públicos foram construídos em estilo europeu; o abastecimento de água passou a ser encanado no centro, e em bica, na periferia; o transporte urbano era feito em modernos bondes elétricos — também pelas carroças, caminhões e carros de aluguel movimentados por tração animal  e, ainda, cento e trinta linhas telefônicas foram instaladas. Além dessas melhorias de infra-estrutura básica na área centro da cidade, contava-se também com um incipiente parque industrial, dedicado à produção de instrumentos de trabalho utilizados nos seringais e de bens e consumo imediato, tais como : porongas, lamparinas, Baldes e tigelas para a coleta do leite da seringueira; mala, vassouras de piaçava, cigarros, confecções de roupas, sabão, vela, água mineral, cerveja e gelo. 

 O professor José Ribamar Bessa Freire, atesta que durante esse processo de metamorfose, uma verdadeira febre de construção tomou conta da cidade, varrendo tudo que poderia evocar os povos indígenas. Ergueram-se prédios públicos monumentos, como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça — hoje marcos de referência da cidade — a Biblioteca Pública, a Alfândega, a penitenciária  do Estado, e as instalações do porto flutuante. Surgiram estabelecimentos bancários e lojas com nomes " exóticos" de Louvre, Au bon Marché, A la ville de Paris, além de algumas residências majestosas, vilas, palacetes, bares, restaurantes, hotéis e cabarés, contendo em seu interior móveis e tapetes europeus, pianos alemães, jarras de Sèvre e louças de Limoge. Tudo para que a cidade servisse com eficiência aos seus novos donos, que se encarregavam diretamente de promover essas transformações de acordo com seus interesses, que nem sempre coincidiam com interesses do conjunto da população.

Por outro lado, a historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro nos informa que na Manaus do início do século XX, praticamente todos os serviços urbanos estavam, por concessão, nas mãos de firmas inglesas, que passaram a agenciar melhoramentos ou mesmo criar serviços até então inexistentes na cidade. Empresas como a Manáos Markests, Manáos Tramways and Light, Manáos Improvements, Amazon Engineering, Amazon Telegrafh, Booth Line e Amazon River começaram a fazer parte do cotidiano da população manauara.

O artista plástico Otoni Moreira de Mesquita, elaborou um interessante quadro para a cidade nesse período. Para ele a nova Manaus pode ser interpretada como uma imagem de vitrine instalada, resultado de uma série de transformações, as quais podem ser simbolicamente compreendidas como um "rito de passagem" processo de branqueamento através do qual a cultura local despia-se das tradições de origem indígenas e vestia-se com características ocidentais.

Manaus, em 1910: "Uma Caboca Metida a Gringa"


Uma boa descrição da cidade de Manaus, de 1910, foi feita pelo históriador norte-americano E.Bradford Burns. 

" Em 1910, Manaus reinava como a capital mundial da borracha. Mais de vinte anos de produção crescente, exportação contínua e de preços em elevação, haviam criado a prosperidade, da qual a cidade era evidência mais ampla. Nesse ano, Manaus progredia, com os preços atingindo novas alturas e toda a atmosfera da cidade altamente próspera (...) Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade europeia de seu tamanho ou mesmo maior. Um excelente sistema portuário, um serviço de coleta e disposição de lixo eficiente, eletricidade, serviços telefônicos, belos edifícios públicos, residências confortáveis atestavam o estado de modernização da cidade". ( BURNS, 1966).

  O Estado do Amazonas contava em 1910, com uma população de 378.476 habitantes, em sua maioria índios ou mamelucos, enquanto que Manaus somavam cerca de 50.000 habitantes. Diferente do restante do Estado, Manaus possuía uma composição étnica bastante cosmopolita, pois a colônia estrangeira era bastante numerosa e diversificada, formada por ingleses, franceses, alemães, e portugueses que estavam envolvidos com a direção dos negócios da borracha; e os espanhóis, italianos, sírios e libaneses que se dedicavam a outros tipos de atividade na capital. Havia também, árabes, chineses e russos entre outras nacionalidades. 



A cidade vivia sob forte influência estrangeira consumindo numerosos produtos, tais como: revólveres Smith And Wesson, terçados Collins, gramofones Victor etc. Além desses os produtos de primeira necessidade.

Na vida comercial a supremacia dos ingleses era notável. Eles comercializavam a maior parte da borracha. No entanto, foram o gosto e o estilo francês que muito fizeram para formação dos hábitos dos barões da borracha, suas esposas, amantes, e seguidores. " Esse grupo jactava-se que sua cidade possuía o " espírito alegre da vida parisiense".

A língua francesa era ensinada na Escola Normal; os manauenses abastados liam o jornal francês Le Matin; e as principais lojas que negociavam com artigos femininos traziam nomes como : Au Bon Marché, La ville de Paris, Parc Royal e outros, e sempre nos seus anúncios comerciais faziam referências aos últimos lançamentos da moda em Paris. Havia, em Manaus pelo menos, um restaurante francês que atendia às preferências do paladar de parte da população que preferia o escargot e o paté de foie .

Além do "espírito alegre da vida parisiense", Manaus oferecia também grande variedade de outros divertimentos: cinco "casas de diversão"; projeção de filmes; a demorada presença do Circo Russo-japonês; vários clubes de futebol que disputavam entre si o campeonato municipal; as associações de remo e barco; a natação, que era muito popular; tênis; luta roman; tiro ao alvo e o ciclismo. E para o prazer das tardes de domingo, o Derby Club oferecia corridas de cavalos às duas da tarde, no Prado Amazonense.

Teatro Amazonas 

Manaus tinha também o famoso Teatro Amazonas, que foi construído inteiramente com o dinheiro da borracha nos anos de 1891-1896, calcula-se que tenha custado dois milhores de dólares, essa casa de espetáculos possui as seguintes características: 

" Apresenta um exterior uniforme e sóbrio, dando asas à imaginação barroca, no interior. Construído de pedra, tem entradas e pilares em acabamento de mármore Italiano. O interior ricamente elaborado, brilha com folheados a ouro e embriaga com o luxuriante veludo vermelho. Figuras clássicas das mitologias gregas e romanas rivalizam com motivo locais e indígenas nas decorações, pinturas e esculturas. Cabeças indígenas projetam-se da balaustrada das escadas e folhas de palmeiras travessuras no Amazonas. De Angelis, o artista famoso da época, decorou os tetos. Enormes espelhos dourados refletem o esplendor dos candelabros. O poço da orquestra comporta, com facilidade, sessenta músicos, e a plateia em seus dias era considerada imensa".( BURNS.1966)

Conforme  Otoni Mesquita  a história do teatro Amazonas se inicia com a apresentação de um projeto de construção de um "teatro de alvenaria" a Assembléia Provincial do Amazonas, em 21 de maio de 1881. Sua pedra de fundação foi lançada em 1884. Entretanto, devido a política local, a obra só foi retomada em 1893, já no governo de Eduardo Ribeiro. " Apesar de toda a dedicação de Eduardo Ribeiro não foi possível concluir a obra durante a sua gestão e, inconcluso, foi inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com a apresentação da " Companhia Lyrica Italiana", na gestão de seu sucessor, governador Fileto Pires. 

O historiador inglês Eric Hobsbawn o caracterizou como sendo " uma catedral característica da cultura burguesa". Confirma Barbara Weinstein: " essa primorosa estrutura de cúpula dourada em breve se tornou o símbolo principal dos tempos de prosperidade e de extravagância da elite amazonense durante a expansão da borracha. 

A capital do Pará também teve a sua " catedral de ópera", o Teatro da Paz, cuja concepção e funcionamento foram anteriores a dos manauenses. 

Enclave Cosmopolita 

Manaus, possuía uma estrutura educacional, em 1910, de 45 escolas primárias públicas e diversas particulares; uma única escola secundária e a Escola Normal. Além dessas, funcionavam na capital algumas escolas especiais: o Instituto Afonso Pena, escola vocacional para rapazes; o Instituto Benjamin Constant para moças órfãs; a Escola Municipal de Comércio, havendo, ainda, quatro escolas noturnas espalhadas pela cidade. 

Em nível de ensino superior, em 17 de janeiro de 1909, foi criada a Escola Universidade Livre de Manáos. A nova Universidade, historicamente a primeira do Brasil, consistia de cinco faculdades e seus respectivos cursos: Ciência e Letras; Ciências Jurídicas e Sociais; Engenharia Civil ( Agrimensura e Agronomia); Medicina. 

Portanto, em Manaus inaugura-se uma tradição universitária do Brasil. Apesar da grave crise economica que abateu a sociedade amazonense o espírito do ensino superior permaneceu materializado no curso de Ciências Jurídicas ( Curso de Direito, federalizado em 1949), posteriormente incorporado pela Universidade do Amazonas. 


Embelezamento e Exclusão 

Os problemas de moradia dos trabalhadores e pobres urbanos vão se agravando na medida em que os projetos de reforma da cidade vão sendo executados, e o poder público municipal através de legislação própria passou a controlar e disciplinar o espaço urbano, por exemplo, em 1906 proibiu a construção de barracas cobertas de palhas ou zinco nos bairros do mocó, Tocos e na vila municipal, assim como, estabeleceu os tipos de casas a ser edificada em algumas ruas da cidade. 

Não só a moradia da população pobre era "perturbadora da ordem da beleza e da harmonia" da cidade de manaus, havia também uma massa de " segregados sociais", tais como, as prostitutas, os menores abandonados, os mendigos, os bêbados e outros. Para dar conta desse contingente social, o poder público pensava muitas vezes em corretivos antes de qualquer outras providências. Por exemplo: a prostituição era objeto de rigorosa vigilância por parte da polícia, para que as beldades não ofendessem a moral pública, com seus escândalos públicos.

" Os moradores que não não podiam obedecer aos códigos de posturas iam sendo empurrados para as periferias mais próximas, como o bairro dos tocos e cachoeirinha (...)" ( COSTA, 1997,p.93)

 

Extraído do Livro:HISTÓRIA DO AMAZONAS. 1º série, ensino médio.FRANCISCO  JORGE DOS SANTOS.-1.ed.- Rio de Janeiro: MEMVAVMEN,2010. Páginas 229-239.